sábado, 8 de janeiro de 2011

O Que Você (Não) Vê

Imagem da série: Abstrato

Quem tem miopia sabe: o mundo é um borrão. Porque quem tem miopia passa a ser intuitivo. Sem óculos, não vemos rostos, vemos restos. O que está distante sempre parece mais distante.

As formas ficam pela metade, perdem o contorno.  É como assistir a um espetáculo de mágica: você fica tentando descobrir, cria hipóteses, começa a deduzir, mesmo sabendo da ilusão. É um truque, seco e descarado. Está na sua cara e você não vê.

É quando os olhos cansam da gente e, a gente, de tentar redesenhar. Viramos pequenos japoneses, os olhos sempre pequenos, menores que a própria íris. Forçamos os cílios, uma aproximação obrigatória sem os pára-brisas do rosto. Os olhos fecham, e só falta fazer aquele rangido de porta velha. Nossos olhos viraram portas velhas. Os óculos são o lubrificante das duas portas. Seremos delatados. Qualquer desconhecido descobrirá a cegueira.

Viramos dependentes de um casal de vidros ou, para quem ama mais sofisticado, de um par acrílico, um amor de plástico.

Há quem diga que traz charme, que traz um apelo culto, intelectual. Acredito apenas na correção à vista, sem parcelas e nada a mais. Seremos levados à profissão de professor, esteriotipados sem chance de esclarecimento, assim, definidos em um olhar.

A dependência se torna “a” característica. Fará parte do indivíduo. Já virou personalidade, uma parte inerente ao ceguinho. Tirar os óculos é como andar pela casa pelado, deixará o rosto nu, descoberto, propenso a qualquer julgamento do tipo: “nossa, você fica diferente”. Muda estruturalmente o caminho do rosto.

Agora, imagina se pudéssemos colocar um par desses vidrinhos, com hastes, no coração. Corrigir algumas imperfeições. Desviar a luz com mais exatidão pra ele, colocar a luz no seu lugar. Enxergar realmente o que nos aguarda. Ver bem coloridos os adesivos. Torná-lo um sábio, um mestre, o dito professor...

Bom, enquanto não inventam isso, continuo o ritual: limpo o coração com a manga da camisa e tento enxergar através dele. Ele vale mais que um par de óculos. Sempre.


Leandro Lima

4 comentários:

Gislãne Gonçalves disse...

Com certeza ele s2 vale mais!

:)

B. disse...

Você sempre inovando Leandro!
Adorei o texto :)
Beijos

B. disse...

PS.: Adorei a música *-*

Sempre querendo saber disse...

[I]Agora, imagina se pudéssemos colocar um par desses vidrinhos, com hastes, no coração. Corrigir algumas imperfeições.

Nossa que lindo!
Sou míope mais meu coração enxerga bem.Aliás,ele enxerga até bem demais e as vezes até vê coisas que não existem.

Gostei daqui,volto.