quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Aviso Prévio



Minha avó se foi. Aquela velha pimpolha de 67 anos partiu, foi desta para uma melhor – como dizem por aí. Eufemizar a morte só a torna mais dolorosa. Mas é melhor que “fulano morreu”, “morrer” é como um tiro à queima-roupa. Dói mais. O susto é maior.
Dona Dircy era serelepe, muito religiosa, adorava o cachorro e tinha uma colônia de gatos. Fazia costuras como ninguém. Sequestrava minhas camisas para fazer os remendos. Tinha o andar rasteiro e vagaroso, um andar de senhora que teve dez filhos. Foi uma mulher guerreira e batalhadora como muitas outras. Os filhos se dispersaram com o tempo, mas, vez ou outra, recebia os filhos com todo amor do mundo.
Dona Dircy era uma mulher humilde, tinha minha mãe como aliada mais próxima e fazia uns bolinhos de trigo muito gostosos que chamava de “filhós”. Eu conhecia cada bolinha do terço porque ela me ensinou. Cada bolinha, uma oração, uma prece. Tinha uma fé imutável, tinha santinhos espalhados pela casa. Dona Dircy cuidou de mim quando menino, limpou minhas sujeiras e correu com cipó para me punir pela malcriação.
Dona Dircy estava internada há um mês no CTI. Era visível o sofrimento. Estava debilitada por causa de um AVC. O coração já não aguentava mais; o corpo muito menos. O coração tem um número limitado de batidas, chega uma hora que não dá: tem data de vencimento. Não tinha para onde correr: era se preparar para o certo, para o que estava prestes a acontecer.
Dona Dircy faleceu quarta-feira (08/09). Ela deve estar melhor agora (assim espero e é o que todos dizem). O cessar de toda dor. A mãe já não tinha mais forças para ir ao hospital. Era uma rotina, um mal necessário. Minha mãe se acha uma pecadora por não ter tido vontade de ver a vó naquele estado. Um pecado que Deus perdoará, sem dúvida. Ninguém suportaria por muito tempo.
Morrer é uma piada, uma piada bem mal-contada e fora de hora. Morrer é deixar de ser o presente. É viver de lembranças, é relembrar, sempre. É saudade. É acumular saudade. É contar as histórias que tínhamos com aquela pessoa que se foi.
Ficam os cartões de crédito, as sandálias, os perfumes, as cartas. Fica o cheiro no travesseiro. A pequena casa se tornou uma mansão sem a presença da vó. Ficam os quadros, o nome. O calendário não vai pular o dia 8 de setembro, teremos que sacrificar um dia do ano.
Fica o choro. O choro vem à prestação, choramos a todo momento, o choro simplesmente vem. Chorar é o complemento da morte.
Tudo fica, menos quem amávamos, quem continuaremos amando, mesmo ausente. Ficam as dívidas, a sombra, as roupas, a poltrona, a caneca que gostava de tomar café, as linhas de costura... Fica o amor.
Dona Dircy se foi. Fiquei em dívida com ela. Mas um dia, vó, te dou aquela TV no “Dia das Vó”.
Fica com Deus.
Leandro Lima