quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Mentos



É na ausência que você vê melhor. Isso! É na ausência que você reconhece o rosto. É quando não se está lá que você percebe a mudança. A presença sempre esteve a sua frente e você nem precisava olhar para confirmar. Estava lá e ponto. Um sossegado conformismo.

Quando o outro se vai é que você passa a reconhecer a área. Um quarto pode virar uma prisão. Os animais de estimação podem virar inimigos. A cama vira um lago: você consegue contornar, mas será fundo, terá medo de deitar por medo de ter desaprendido a nadar. Você acha que desaprendeu as coisas.

Parece que o silêncio ficou mais alto, latente. As coisas dela ficaram como armadilha. Os sapatos, que você tanto brigava, porque ficavam solitários pelos cantos, serão os mesmos que você terá o orgulho de guardar de volta no armário. [Agora você sorri porque ela previu, ela estava certa e você errado. Agora tenta guardar a saudade junto com o sapato. Você erra para que ela continue sendo o acerto.]

É na ausência que vem a certeza. A certeza de que, entre milhões de pessoas no mundo, existe uma que faz o seu mundo parar quando ela não está por perto. Você inventa um lugar que ninguém mais conheça para afastar o tédio, lê um livro, faz um rabisco, ouve qualquer música. Qualquer música serve para chegar até ela.

Você sai confessando pelos cantos, sussurrando com as paredes, contando os passos, os dias. Pede perdão sozinho pelo que nem cometeu para que continue merecendo. Você sente uma estranheza pelo mundo, um mundo que ficou menor sem ela.

O mundo ficou maior e nem por isso tem mais sentido. Você fica no automático, anda como um guarda-chuva num dia de sol: com vergonha de ser notado. Compra mentos para senti-la mais perto. Ela adora balinhas...  

Você gostaria que ela estivesse aqui. Mas nenhuma tristeza virá, não haverá saudade que vença esse amor. Ela sempre estará aqui. De um jeito ou de outro, ela estará aqui.

Você agora faz o mesmo ritual que ela: devorar dez balinhas como se não houvesse amanhã. Você, que levava uma eternidade com um simples pacotinho...

Vou ali comprar um pacotinho de mentos. Meu amor tem sede.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Heróis E Fantasmas

Da série Abstrato


Você já nem pode mais conversar. Já perdeu o controle, porque algumas coisas mudaram. Porque já não sou mais quem você costumava conhecer. Alguns amigos se vão. Outros voltam. Outros permanecem. E outros permanecerão, mesmo que você se desfaça, que se refaça.

É muito mais fácil abandonar, deixar para trás, ver o rosto pelo avesso, sem traço, sem escapatória. Você pode errar, deixar o mundo de cabeça para baixo. Outros caminhos se abrem. Mundos costumam se reconstruir. Não sei como.

Nenhum pensamento em retorno. Sozinho você continuará acreditando, acreditando em um mundo que já deixou de ser. Passará a sonhar com e em outro mundo. Sua vida já será outra. Você começa a se mexer e querer ver os resultados de tanta espera, de tanta cansaço. Acho que você sabe, porque o que eu fiz ou o que fui foi só um ensaio.

Essa é a minha primeira vontade, a que vem na frente, a que mais se mostra, a que sempre se mostrou e você tanto ignorou. O meu momento de glória. A minha partida. Não um erro, um tropeço, que você conheceu, que você diz que conheceu. Parar celebrar à sombra.

Porque eu já vi esse olhar antes. Olhar com lágrimas é desespero na despedida. Tente sorrir. Não nos resta mais nada além disso. Nossos caminhos são outros. Nossos desejos são outros. Perdemos a compatibilidade do afeto.

Já aconteceu e você nem viu. As provas estão aí. Pode conferir. E quando voltar, já estarei longe, escrevendo cartas e mais outras cartas para distrair a dor, para tapear a tristeza. Fique com os seus fantasmas.

Não é difícil de entender quando o frio queima. Você só vai entender quando eu já não mais estiver aqui. Só assim.

Porque meus heróis são os seus fantasmas. Eles até se confundem, são quase idênticos. Tão distintos. Ínfimos.

Vou buscar meus sonhos em outro lugar.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Seis Meses

Série: Agradecimento

É com todo clamor e devoção que agradeço. Agradeço pelo cheiro reconhecido à distância, pela preocupação dedicada, por cada palavra de carinho e afeto distribuídos, pela sincronicidade dos pensamentos.

Agradeço pelo olhar de admiração perdido no meio de um abobalhado momento. Agradeço por ter trazido de volta o brilho dos finais de semana, pela magia que é comer pipoca assistindo um filme roçando os cotovelos.

Agradeço por ter afastado a solidão, por ter colorido as minhas horas. Vejo arco-íris onde ele não existe. Tenho um arco-íris nos olhos. Agradeço.

Agradeço pelas diferenças. Agradeço por me fazer repensar a quantidade de açúcar, de sal, de palavras, de atitudes... Simplesmente agradeço.

Agradeço por não pedir troco ao doar o corpo, por não exigir sentimento, por não permanecer na desavença. Agradeço, com devoção, pelo beijo dado com ênfase, pela lágrima comovida que vem do beijo.

Agradeço pela simplicidade ao tocar os pés na hora de dormir, pelo carinho pedido com manha, pelo boicote que fazemos em uma discussão: quem chorar primeiro ganha.

Agradeço, e agradecerei sempre, por ter mostrado que eu estava errado esse tempo todo; por ter achado que não amaria mais.

Agradeço, com todo amor do mundo, pela pequena frase dita, que torna toda as outras coisas possíveis.

Amo você.

Leandro Lima

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Os Amigos Invisíveis

Fabrício Carpinejar

Os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade.
Mandar relatórios do que estão fazendo para mostrar preocupação.
Os amigos são para toda a vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira.
Temos o costume de confundir amizade com onipresença e exigimos que as pessoas estejam sempre por perto, de plantão.
Amizade não é dependência, submissão.
Não se têm amigos para concordar na íntegra, mas para revisar os rascunhos e duvidar da letra.
É independência, é respeito, é pedir uma opinião que não seja igual, uma experiência diferente.
Se o amigo desaparece por semanas, imediatamente se conclui que ele ficou chateado por alguma coisa.
Diante de ausências mais longas e severas, cobramos telefonemas e visitas.
E já se está falando mal dele por falta de notícias.
Logo dele que nunca fez nada de errado!
O que é mais importante: a proximidade física ou afetiva?
A proximidade física nem sempre é afetiva.
Amigo pode ser um álibi ou cúmplice ou um bajulador ou um oportunista, ambicionando interesses que não o da simples troca e convívio.
Amigo mesmo demora a ser descoberto.
É a permanência de seus conselhos e apoio que dirão de sua perenidade.
Amigo mesmo modifica a nossa história, chega a nos combater pela verdade e discernimento, supera condicionamentos e conluios.
São capazes de brigar com a gente pelo nosso bem-estar.
Assim como há os amigos imaginários da infância, há os amigos invisíveis na maturidade.
Aqueles que não estão perto podem estar dentro.
Tenho amigos que nunca mais vi, que nunca mais recebi novidades e os valorizo com o frescor de um encontro recente.
Não vou mentir a eles ¿vamos nos ligar?¿ num esbarrão de rua.
Muito menos dar desculpas esfarrapadas ao distanciamento.
Eles me ajudaram e não necessitam atualizar o cadastro para que sejam lembrados.
Ou passar em casa todo o final de semana e me convidar para ser padrinho de casamento, dos filhos, dos netos, dos bisnetos.
Caso encontrá-los, haverá a empatia da primeira vez, a empatia da última vez, a empatia incessante de identificação.
Amigos me salvaram da fossa, amigos me salvaram das drogas, amigos me salvaram da inveja, amigos me salvaram da precipitação, amigos me salvaram das brigas, amigos me salvaram de mim.
Os amigos são próprios de fases: da rua, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio, da faculdade, do futebol, da poesia, do emprego, da dança, dos cursos de inglês, da capoeira, da academia, do blog. Significativos em cada etapa de formação.
Não estão em nossa frente diariamente, mas estão em nossa personalidade, determinando, de modo imperceptível, as nossas atitudes.
Quantas juras foram feitas em bares a amigos, bêbados e trôpegos?
Amigo é o que fica depois da ressaca.
É glicose no sangue.
A serenidade.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Promoção Dia Dos Namorados

http://www.jampacenter.com.br/amshopping/index.php?view=show&id=173

Votem!

Hino Diário

Imagem da série: Abstrato


Com dificuldade vamos vivendo. Vamos perdendo e ganhando amores; mais perdendo bingo do que ganhando (nem o frango do bingo da igreja conheceu nossa sorte). A sorte não anda perdida pelo armário. Vamos calejando as mãos e espremendo as mangas; um sumo necessário pela sobrevivência, um esforço diário. 

Com destreza vamos administrando as conta, os deveres e a paciência. Vamos tirando dali e colocando um pouquinho aqui, vamos cogitando que será melhor, que ficaremos bem, que seremos melhores, que estaremos melhores amanhã. Vamos postergando toda dor. E quem diria que viver seria tão difícil. Brincar de ser “gente grande” cansa! 

Tenho saudade da infância: a melhor fase de nossas vidas, quase que um estado cabalístico, um estado metafísico, muito além da realidade, as cores tinha mais cor, natal ainda tinha cheiro de roupa nova e de bola de futebol... Não medíamos esforços para o futebol descalço, depois dava um jeito nos calos. Ouviria uma semana a mãe reclamando, mas, assim, a mãe estava sempre por perto. 

Na infância, não tínhamos obrigações, responsabilidades, valia apenas as travessuras, quebrar os brinquedos com outros brinquedos, fazer moicano no cabelo com xampu, trocar figurinhas repetidas e andar de bicicleta. Fazer um bilhete para o amor de escola que nunca foi lido; qualquer fracasso era logo compensado com nova tentativa. Valia arriscar a reputação: tímido entre oferecer os lábios ou a pipoca no cinema. 

Encarávamos o mundo com imaginação, com volúpia, com fantasia. Íamos pelo quintal do pior para não fazer alarde, na ponta do pé, rangendo somente a porta dos olhos. A solução vinha antes da coçadinha na cabeça. 

Hoje, só dá para começar pelo bolso. Porque, antes, era só chorar que ganhava o boneco irado do desenho ou o carro de controle remoto. Hoje, nem chorando sangue você consegue pagar o carro, a água, o telefone... Daqui a pouco inventam crediário até para o amor, cupom de desconto e financiamento para qualquer paixão. 

Algumas coisas perderam o sentido, perderam o gosto, o cheiro. Não nos permitimos à enfermidade, negamo-nos à doença, a tudo o que for nos tirar dos eixos e quebrar a rotina necessária. Nada pode bagunçar as finanças. Arrancaremos os cabelos, perderemos o sono se sumirem os nossos números e vírgulas do banco. 

Não conseguimos encarar o mundo. Andamos enfileirados, soldados, acorrentados às coisas. Não somos mais tão astutos quando criança. Já perdemos metade de nossas vidas. A outra metade está em estágio probatório, em análise para saber se temos direito à felicidade. 

Duvido se você ainda sabe andar de bicicleta.

Leandro Lima

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Não Contém Glúten

                                                                Série: Amor Abstrato

Passei a ler a descrição nas embalagens dos produtos. Uma mania sorrateira, disfarçada. Do nada, solto: “Não contém glúten”. Uma esquizofrenia educada, comportada. Meus olhos se tornaram um radar, vão direto à frase em negrito. Tornou-se um ritual, uma confirmação de que a refeição está em curso, de que ainda busco algo, de que ainda busco mais.

Meu amor se tornou isso: essa necessidade de encontrar a frase. De encontrar você sempre lá. O conforto para um pobre coração. Acordar me deixa excitado, louco, um selvagem pela vida. Encontrei um corpo para repousar. O mais belo rosto para acariciar o quanto amo em palavras.

Morar junto é complicado, mas traz à tona a descoberta, traz as belezas do relacionamento. A sensação impagável de ter com quem contar quando o seu mundo desaba. Quando tudo vai mal, existe um abraço para acalmar, um colo para desaguar. O que eu chamo de “glória máxima”.

Conhecerá as manias dela, assim, de todos os jeitos. Descobrirá a coleção de esmaltes, as roupas ainda com etiquetas, e, ainda assim, ela reclamará que não tem roupa para sair à noite. Uma falcatrua armada para continuar empilhando blusas no armário.

Aceitará que não existe hora certa para sair para um compromisso, porque ela esquece a hora lendo os e-mails que não conseguiu ler ontem. Ouvirá no almoço a preocupação com o jantar de amanhã. Conhecerá o infinito de uma mulher.

Você passa a pensar em dobro, porque não mais haverá somente uma toalha molhada em cima da cama, não passará manteiga em apenas um pão. Deixará de se importar com o seu programa favorito para que ela assista ao dela. Porque ela será única. Sempre. Qualquer sacrifício vale, na verdade, nunca será sacrifício. 

Amar nunca será sacrifício. O resto vem de bônus. 

Leandro Lima

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Alugo

Série: Abstrato

Poucas coisas me entristecem mais do que ver um lugar onde funcionava algo e, hoje, está para alugar. Remete-me ao fracasso, ao que não se cumpriu, ao que não deu mais certo, ao que se perdeu de sentido, ao que necessita de outro sentido.

Escrever com o relógio no pulso incomoda, não é frescura, não é por prender o sangue, é por prender as palavras, por implicar com a confiança. Trava a agilidade, cria um vinco que carece a mobilidade das mãos.

Vislumbro as folhas ao chão; as folhas são a assinatura do término do contrato. As folhas mostram a ausência, a falta de alguém para amontoá-las e chamar o vento para desmanchar. Só o vento visitará o lugar, passará despercebido por muitos. Fica a vontade de descobrir o que aconteceu de fato, o que acontecerá por acaso.

O mesmo acontece ao reencontrar um amigo depois de longa data. Vai ficar no ar a obrigação de já ter casado, de ter comprado o carro do ano, de ter tido um filho e ser presidente de uma empresa. Uma convenção criada para que, quanto mais tempo, mais tralhas temos que ter na vida. A conversa de cinco minutos tende à eternidade. Esgoto o tempo com mais perguntas do que com respostas. A resposta não virá de imediato, levará tempo compreender a pergunta e formular uma resposta. Não pergunto como anda aquele outro amigo, deixo que o destino nos encontre para uma outra conversa de cinco minutos. E também não deixo perguntar como anda outro amigo, vou entender que as minhas histórias já entediaram.

Não interrogo o futuro. Vasculho o passado, busco o que ficou na prateleira, o que fez mais sentido, o que foi mais relevante. O passado é mais concreto, tem história, pode ser lido e relido. O futuro não traz confiança, não traz certeza no bolso. O futuro é a vaidade do desejo.

Busco as histórias mais sombrias, as mais escondidas, as que mais machucaram, as mais divertidas. Quero saber da metade da história para poder imaginar a outra. Pouco importa em que caminho chegou, quero saber o que fez no meio do caminho, como percorreu, o que deixou de lado, o que fez chorar, o que fez sorrir, porque abandonou um sonho.

Estar para alugar é a incerteza do que será, a indefinição do espaço.

Alugo-me.

Leandro Lima