sábado, 31 de outubro de 2009

Sonho E Pesadelo




Acordei com palmas. As palmas não eram de condolência, mas de frustração. Tive um sonho-pesadelo. Acordei com o copo cheio de alívio e desejo. O café da manhã não tinha sal, açúcar só pioraria o verde das folhas. Os pássaros estavam enlutados, sem árvores para chorar.
No meu sonho eu tinha me tornado um monstro. Senti mais medo desse sonho do que de viver. Hoje sei o que me mete medo de verdade: ver-me no espelho e não me reconhecer, ou me reconhecer estranho ao que sempre fui. Vi-me no espelho com outro rosto, não era rosto, desculpa, era a imagem da morte estampada na janela dos meus olhos. O rosto desfigurado revidava uma risada sádica que apertava com força pra aterrorizar a minha fé. Senti-me uma criança de quatro anos em um quarto escuro com medo do bicho-papão, da velha-do-saco e de todos os outros personagens que nossos pais inventavam na imaginação. Morri pelos olhos. Morri no sonho e daquele sonho. Graças a Deus a mãe me acordou. Esse foi o alívio.
Agora não entendi como, no mesmo sonho, consegui realizar outro sonho: você. Você deu uma passadinha nesse sonho só pra acender o que andava apagado e não deixou que ele fosse um pesadelo por completo. Fiz uma viagem à terra que sempre quis: ao teu coração. Você caiu de pára-quedas no meu sonho e foi logo bagunçando os lençóis. O beijo foi apenas o começo da sensação de felicidade paralela. E quando você disse que me amava tinha certeza que meu corpo sorria mesmo enquanto ainda dormia.
Vi você voltar do jeitinho que sempre imaginei. Você me disse o que eu sempre quis ouvir. Segurou minha mão e me conduziu pra algum lugar que eu não me importava onde ficava a não ser que estivesse com você. Reencontrei um famoso sorriso que tinha perdido no tempo.
Ouvi a canção que costumava ouvir quando estava com você. O cantor parece que foi avisado da missa e compareceu só para dar o tom da sua voz. Mágico. Ilusório. Esse foi o desejo.
Ao acordar, o sorriso no canto da boca pairou por uns dos minutos sobre a cama sem entender, sem perguntar, sem retrucar, só me olhou. Em dois minutos acho que respirei duas vezes. Acho que era o “transe” apocalíptico do sonho. Enfim, deu “tchau” como quem diz: “tenho que ir agora, desculpa!”, e sumiu pelo vão na janela.
A mãe entrou de novo no quarto e perguntou se estava tudo bem (acho que a mãe estava de complô no meu sonho). Eu disse que não, que tinha acabado de perder um sorriso. Ela disse que já sabia... Mas que era pra eu ficar tranquilo. Fiquei sem entender.
Nunca mais conheci outro sorriso igual àquele. E presumo, com toda descrença, que não existe outro neste planeta. Espero estar errado.
Leandro Lima

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Solidão (Parte 2)



Um relógio quebrado me permite dormir melhor à noite. Não me preocupo com o tempo. Não ter tempo me conforta. Não ter tempo não me força a procurar mais tempo. Já o perdi, pra quê vou perder o restinho que ainda me resta para procurá-lo? Uma hora ela aparece de volta. Vou viver o que me resta e não vou “perder a cabeça” com “pequenezas”.
Vejo gente que diz que não tem tempo para fazer tal coisa. Mentira! Quando ouvir isso de alguém essa pessoa está, na verdade, dizendo isso: “Olha, eu não quero ter tempo para isso!”.
Ontem foi um dia frio, mas não no clima, na alma. Foi um dia vazio, triste. Aquele vazio que te espreme no canto da parede.
Fiquei no trabalho até bem depois do horário. Pela primeira vez não pensei no retorno para casa. Queria mesmo era me perder em alguém. Casa não era mais sinônimo de recolhida, de conforto, de abrigo, era a regressão do meu “eu” para o descontentamento.
O telefone virou uma tartaruga idosa. Não vejo vida nas pessoas. Poderia ter ficado e conversado com as cadeiras que teria sido um sucesso sem público. Os grampos me seguravam para uma partida de “jogo da velha” com as pastas coloridas que me paqueravam sobre a mesa bagunçada de relatórios.
Tenho mais amigos onde não os encontro. O cheiro dos papéis empoeirados me remetem à angústia da solidão armada. Solidão é uma falta armação do destino.
Solidão não dói, incomoda.
Parei para observar as canetas e me tornei fã delas. Somos tão diferente: elas somem misteriosamente para deixar saudade. Queria ter esse poder de entorpecer de saudade. Saudade é coisa difícil de causar. Nunca causei uma saudade insuportável. Sou suportável só na minha ausência.
Procuro onde sei que não vou achar e ainda acho que sei procurar.
Ando esticando uma tal chamada solidão. Ou é o contrário?!

Leandro Lima