sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Desafinação Perfeita




Todo mundo é feito de alguma coisa que estampa um sorriso, mais exatamente uma paixão. Há quem seja feito de carros, de fotos, de viagens, de lugares, de compras, de jogos. Há quem se identifique com a advocacia, medicina, literatura, história e por aí vai. Todo mundo tem uma paixão. Todo mundo é louco por alguma coisa. Nascemos predestinados a um ofício, se não nascemos, assimilamos. Eu sou música.
Eu sou feito de esponja, de madeira, de caixas de som, de cordas, de ferragens, de pedestais. Sou feito mais de pele de tambor do que da minha própria pele. Em minhas veias correm notas musicais. Meu amor é uma melodia que se renova a cada refrão mal cantado. Meus pulsos são claves que remontam a criatividade da frase. Perco a fé, mas não a vontade de tocar.
Minhas mãos são baquetas que reconhecem qualquer superfície pra montar um ritmo. Meu violão sabe mais de mim do que os amigos. Compus músicas tentando reaver rostos que não formam uma canção. Cada lágrima é uma voz que canta desafinada. Sou menos desafinado no amor do que na música.
Amar é uma desafinação total.
Amar é cantar desafinado no tempo certo de um beijo.
Não sigo o exemplo de um pai-músico. Isso eu não sei se aconteceu. Espero que o pai se orgulhe de seu filho. Eu não tenho alma: tenho som. Tenho música nos pulmões. Não tenho um coração no peito, tenho uma bateria que dá tempo ao corpo. Sou movido à melodia, à palheta. Sou uma “nota de minuto” ambulante. Sou feito de efeitos. Sou um acorde perdido. Sou uma combinação perfeita de notas: dó, lá menor,fá e sol.
Sou uma guitarra bem arranjada. As teclas do teclado são os meus dentes serrados. O braço de um contrabaixo não difere do meu. Os cabos ao chão são os meus pés descalços.
Meus gestos são “notas fantasmas”: bem sutis e que fazem toda a diferença. Meu sorriso é um “groove”: cheio de pegada. Quem dera se no amor tivesse “chave de afinação”, aperta daqui, aperta dali e pronto! Afinadinho. Quem dera! Muda-se a tonalidade e pronto! Problema resolvido.
Estar em um estúdio é estar um tom acima do universo, na verdade, o universo é ali. Nada se equipara. As dores pedem licença e somem para assistir o show do lado de fora. A felicidade dá o compasso e o andamento, desfaz também, se quiser, é ela quem manda. Eu perco o controle sobre mim. Não mando mais em mim. Fico de castigo se errar a batida. A música é minha mãe: só obedeço.
Posso desistir de tudo nessa vida, menos da música. A música é o amor que nunca desistiu de me tentar.

Leandro Lima

Ouça: Midnight Hour "Running Away"

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Quando Não Se Ama





Hoje o sol não apareceu. Não deu as caras. Foi impedido de se mostrar e não passou para a sala do dia. Claro, teve quem reclamou! Eu adorei essa ausência. Fez-me bem. Não era só a ausência do sol que me alegrava, era a sua também!
A sua ausência da minha mente. Do coração.
Hoje uma amiga me disse que o amor é quem desiste da gente e que passamos a pensar mais quando deixamos de amar. Ela que me perdoe, mas o amor não desiste da gente: nós o abandonamos por incompetência. Nós, não o amor. O amor não tem nada a ver com isso. Decidimos sem consultá-lo.
O amor pode seguir sem os personagens da história pra recontá-la sozinho e mesmo assim continuará firme. Amar independe do corpo, da carne, da presença. Amor que é amor mesmo segue pintando sorrisos, segue refazendo refrão de música. Amor mesmo só morre por fora, por dentro renasce todo dia recriando esperanças em folhas de papel. Amar - mas amar mesmo - é uma peça que não sai de cartaz.
E pensamos bem menos quando não amamos. Não amar é egoísmo na íntegra. É ir ao cinema e devorar a pipoca sozinho sem se importar em dividir com outra mão. É não ligar para a noite que chega sem rezar as velas do jantar. Não existe o “outro”. O “outro” somos nós mesmos. É não se preocupar em qual presente vou dar no natal meticulosamente escolhido pra alegrar. Não existe alegria. O mundo é preto no branco e só!
Sem amor somos corpos sem destino, qualquer lugar serve pro coração. E com amor qualquer coração se torna um lugar.
Leandro Lima


segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Um Sorriso




O dia correu de mim. Nem consegui me encontrar como de costume. Minhas mãos se perderam tentando encontrar o certo que o errado deixou para trás. Certeza... Moro nela, mas não dependo dela. Sou livre para querer ser incerto também, sem nunca deixar de acreditar.

As horas passam sem dizer que sim e sequer que não. É curioso como nos portamos, como indagamos e como continuamos a esmurrar a ponta da faca. Esmerilam-se as dores de estimação para que se pareçam outras, novas. Inventam-se alegrias de circo para não esmorecer. Repetem-se frases de boteco para se parecer sábio. Pede-se perdão e café do mesmo jeito: na cara dura.

Logo vi! Tive que dizer o que achava para depois lamentar o que não deveria ter sido dito. Retruquei. Contei de um a dez, duas vezes! E agora? Fiquei sem entender para poder saber o que pode ser evitado. O que eu acho que sei está na certeza do que eu ainda tenho que aprender.

Eu a vi chorar. Eu a fiz chorar. Como salvar essa vida?

Você desconversa e ela cutuca para sangrar. Tentei, mas talvez eu nunca venha a saber o que é esse tesouro. O que tanto ela guarda em segredo? Deus deve saber. A única coisa que nós compartilhamos foi o mesmo céu.

Os retratos em cima da mesa, que hoje contam nossas histórias, morreram de tanto tentar revivê-las. A grama parece bem mais verde onde chove. A história repete os mesmos personagens em outras histórias.

Eu a vi cair. Eu a levantei. O que aconteceu com o ódio e o amor? Fizeram as pazes e hoje são namorados. Eu quase consigo ver o túnel no final da luz. Surtei.

Pensei em repor o que tinha sido roubado por ela, mas mudei o rumo, não fui solicitado. Antes fosse como uma bicicleta que se empresta, usa e depois devolve sem maiores danos ao coração. Antes fosse tão fácil quanto difícil foi.

Encerrei. Fechei o peito para balanço geral sem prazo para retorno.

“Teu sorriso vai ser sempre o meu objetivo”, ela disse. Não precisei perder para saber o quanto era necessário, mas foi necessário perder pra saber o que quanto foi valioso.


Leandro Lima