Todo mundo é feito de alguma coisa que estampa um sorriso, mais exatamente uma paixão. Há quem seja feito de carros, de fotos, de viagens, de lugares, de compras, de jogos. Há quem se identifique com a advocacia, medicina, literatura, história e por aí vai. Todo mundo tem uma paixão. Todo mundo é louco por alguma coisa. Nascemos predestinados a um ofício, se não nascemos, assimilamos. Eu sou música.
Eu sou feito de esponja, de madeira, de caixas de som, de cordas, de ferragens, de pedestais. Sou feito mais de pele de tambor do que da minha própria pele. Em minhas veias correm notas musicais. Meu amor é uma melodia que se renova a cada refrão mal cantado. Meus pulsos são claves que remontam a criatividade da frase. Perco a fé, mas não a vontade de tocar.
Minhas mãos são baquetas que reconhecem qualquer superfície pra montar um ritmo. Meu violão sabe mais de mim do que os amigos. Compus músicas tentando reaver rostos que não formam uma canção. Cada lágrima é uma voz que canta desafinada. Sou menos desafinado no amor do que na música.
Amar é uma desafinação total.
Amar é cantar desafinado no tempo certo de um beijo.
Não sigo o exemplo de um pai-músico. Isso eu não sei se aconteceu. Espero que o pai se orgulhe de seu filho. Eu não tenho alma: tenho som. Tenho música nos pulmões. Não tenho um coração no peito, tenho uma bateria que dá tempo ao corpo. Sou movido à melodia, à palheta. Sou uma “nota de minuto” ambulante. Sou feito de efeitos. Sou um acorde perdido. Sou uma combinação perfeita de notas: dó, lá menor,fá e sol.
Sou uma guitarra bem arranjada. As teclas do teclado são os meus dentes serrados. O braço de um contrabaixo não difere do meu. Os cabos ao chão são os meus pés descalços.
Meus gestos são “notas fantasmas”: bem sutis e que fazem toda a diferença. Meu sorriso é um “groove”: cheio de pegada. Quem dera se no amor tivesse “chave de afinação”, aperta daqui, aperta dali e pronto! Afinadinho. Quem dera! Muda-se a tonalidade e pronto! Problema resolvido.
Estar em um estúdio é estar um tom acima do universo, na verdade, o universo é ali. Nada se equipara. As dores pedem licença e somem para assistir o show do lado de fora. A felicidade dá o compasso e o andamento, desfaz também, se quiser, é ela quem manda. Eu perco o controle sobre mim. Não mando mais em mim. Fico de castigo se errar a batida. A música é minha mãe: só obedeço.
Posso desistir de tudo nessa vida, menos da música. A música é o amor que nunca desistiu de me tentar.
Leandro Lima
Ouça: Midnight Hour "Running Away"
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