sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Você Perdeu.

 

 Para vocês C, L, L, M, A e K

Você perdeu. Você leu o livro pela capa e deduziu exatamente o que não teria nele. Nunca se julga um livro pela capa. Você passa a ser julgada pelo livro. O julgamento vem depois, bem depois. É preciso ter entrelinhas nos olhos para sensibilizar a alma. Você nem premeditou a fuga, você escapou. Premeditar é, ainda, uma forma de dar suor à imaginação. Antes tivesse premeditado, algum interesse teria dado ao caso. Desistiu no começo do começo do caminho. Não quis calcular o valor das minhas palavras, da  minha pontualidade, do meu interesse. Não vou investigar os fatos da derrota, isso só a completaria. E essa derrota é sua.

Você fechou mais os olhos para não entender e a boca travou, e eu fiquei em uma conversa muda com o telefone. Fez o caminho de volta mais rápido que as pernas suportariam. Nem conheci teu rosto. Não sei quais são suas manias. Não saberei se toca os cabelos ao contar suas histórias, ao inventar histórias. Vou ficar no desejo frustrado da dúvida. Eu sou a dúvida, você, a dívida. A minha dívida. Você vai para o meu caderno de “contas a pagar” com todos os juros possíveis. Mulher vira pendência quando não chegamos a conhecê-la. Quem me dera poder emprestar do banco para poder saldar o débito. Você não esperou o troco. Nem houve recibo.

Não sei o que viu ou o que ficou sabendo durante o trajeto. Não te culpo, até compreendo. Já fiz o mesmo. Mas ver a peça acontecer é mais do que discutível, pode ser discordável. Só concordamos com a decisão quando é nossa, a decisão dos outros é ligeiramente infundada e passível à mudança.

Você deve ter sabido dos meus amores, eles me condenam, o passado, não. Ou vai ver, soube de nada, mas também não estava livre para querer saber deles. Não estava aberta. É preciso ter o inferno nas mãos para aceitar o paraíso. Todo paraíso tem um inferno em seu início.
Nada pude dizer para tentar te contrariar, fiquei longe disso. Queria vê-la perder a compostura, perder a fala, perder a pose, perder o sono. Seria uma sensação de missão cumprida pra mim e uma lição aprendida pra você: não julgue sem conhecer. Você tem todo o direito de concluir, mas depois. Antes, não! Antes é dado, depois é fato.
Pegue leve da próxima vez. Dê o braço a torcer. Acredite, mesmo com a ocasião de cabeça para baixo.  Mesmo com as circunstâncias engatadas na parede. As coisas não são o que parecem ser algumas vezes. Credite, confie, até que te provem o contrário.
Será que eu provei o contrário?!
Mas, sem arrogância, seja feliz. Afinal de contas, você já perdeu, ou melhor, deixou de conhecer as minhas entrelinhas. Elas diriam justamente o que você precisava saber. E não quis.
Até!
Leandro Lima

domingo, 31 de janeiro de 2010

Memorando

 

Nada mais desgastante do que ter que abrir memorando solicitando a companhia de alguém. É um insulto à prepotência. Tem que datar, colocar assunto, inventar assunto onde não tem para preencher o formulário e ir atrás do visto para confirmação.

Sorte sua se conseguir. Demora. Demora o tempo suficiente para você desistir no final do dia. Mendigar um pedaço de pão seria menos vergonhoso. É um vexame. Uma insuficiência respiratória de frustração. O telefone vai rir de você ao desligar com um "você vê aí e me liga!". É, você lembrou, ligou, disse que tinha tempo livre e ainda sai da conversa como o "ocupado", "você vê aí!"...

Doeria menos perder um dedo. Vira uma festa sem música, na verdade, não há festa, a festa não foi confirmada nem desmarcada. Ficou na vontade da dança. Você dançará sozinho. Não existirá ternura. Não haverá doçura nos olhos. Não haverá brilho no sorriso. Os sentimentos ficam engatados na garganta mais do que as palavras. Não há palavra que ilumine o papel do rosto.

Você passa a conversar com o rádio no engarrafamento. A última coisa que a moça do carro ao lado vai achar é que você é normal. Você ligará a TV para tomar banho. Sentir-se-á sujo sem o barulho da TV para esconder a tristeza. Se pudéssemos lavar essa tristeza com o sabonete para parecer menos suja, menos feia, menos sua...

A falta de compromisso corta. Não sangra, mas corta. Dói até mais. O sol vai parar na gaveta. O dia anoitece e o coração para de funcionar. A noite é tão pesada que chora, que funga. Vira uma coriza observar a lua. Vira uma novela observar a chuva. O coração não vai aguentar, vai cair em prantos.

É uma burocracia desnecessária. Um esquema miraculoso. Um joginho da velha feito para estressar. Sair do sério é mais fácil que imprimir a ata.

Ajeitar a gravata só aumenta a sensação de desconforto. Uma reunião que não começa é pior que ser demitido. Com a demissão, o pensamento cessa. Sem a reunião, que não começa, o pensamento incha.

Você tenta mais uma vez a confirmação do pacto e ganha um “vou te ligar” carimbado na testa. Você ainda acredita que pode encontrar um espaço no calendário para amenizar o sentimento, mas errou o número, errou a letra, errou a palavra, errou o dia. Melhor pegar a caneta e cancelar a solicitação. Não haverá a companhia. Melhor ligar para o departamento do bom-senso e cancelar o pedido.

Essa reunião não acontecerá hoje. Tentarei amanhã, novamente.

Leandro Lima