sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Amor e Ódio


Dia desses no trabalho, lendo os textos do Fabrício Carpinejar, uma professora me questionou que ela não entendia como as pessoas passavam a se odiar quando terminavam um relacionamento. Parei para refletir. É curioso mesmo. Por que não mais querer ver a pessoa com a qual você passou horas e horas dedicando seu tempo e seus sentimentos? Por que não mais querer saber se aquela pessoa está bem se ela passou tempos te desejando as melhores coisas do mundo? Por que não mais cultivar um sorriso que, provavelmente, foi um dos seus objetivos nessa vida? O ser humano complica o que não é necessário e sofre porque precisa só pra sentir que ainda tem sentimentos. Verdade.
Eu não tenho mais contato com as minhas ex-namoradas, mas não por vontade minha. Infelizmente fui excluído da lista de telefone delas, fui banido de suas vidas. Eu prezaria por noticias delas, pra saber se já alcançaram seus objetivos, seus sonhos. Se conseguiram lidar com os seus medos. É uma questão de respeito e consideração. Afinal de contas, escrevemos uma história em algum momento dessa vida.
Ao final de um relacionamento tendemos a grudar no pensamento somente as coisas ruins que aconteceram e rasgamos todas as coisas boas que conseguimos viver. Pra quê?! Pra odiar o outro? Estupidez, burrice! Tá certo que tudo chega ao fim e, de alguma forma, duas pessoas não podem mais continuar juntas, mas vamos piorar as coisas nos odiando?! Legal, não dá mais, um não quer mais o outro, o outro te traiu, beleza! Isso acontece. Todos têm esse direito. Então pegue suas coisas e vá trilhar outros caminhos (parece fácil, né?). Dói tudo isso, mas nunca vou chegar a odiar uma pessoa que vestiu o meu “eu te amo”. Não dá! É reescrever uma história com caneta vermelhar e riscar o nome que tanto escrevi na hora da aula. Prefiro acatar a ordem de “não dá mais” e repintar meus quadros.
A vida é assim. Somos capazes de amar várias vezes, esse é o grande barato da vida. Claro que, cada um no seu contexto, na sua intensidade, na sua plenitude. Vamos agradecer sempre por as coisas acontecerem e não por acabarem. Tudo o que começa tem que acabar. O bom são as coisas que ficaram no meio. Aqueles momentinhos de ternura na praça ao sequestrar um olhar pra si. Aqueles momentinhos de ternura ao tocar os braços cinema. Não perca tempo tentando esquecer alguém. É impossível! Perca tempo amando as pessoas, é mais seguro, saudável, e uma hora você terá retorno . Porque a questão não é “se”, mas “quando”. Be ready!

Leandro Lima

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

OS BRINCOS POR ÚLTIMO

Fabrício Carpinejar

Adeus, meu amor, logo nos desconheceremos. Mudaremos os cabelos, amansaremos as feições, apagarei seus gostos e suas músicas. Vamos envelhecer pelas mãos. Não andarei segurando os bolsos de trás de suas calças. Tropeçarei sozinho em meus suspiros, procurando me equilibrar perto das paredes. Esquecerei suas taras, suas vontades, os segredos de família. Riscarei o nosso trajeto do mapa. Farei amizade com seus inimigos. Sua bolsa não se derramará sobre a cadeira. Não poderei me gabar da rapidez em abrir seu sutiã. Vou tirar a barba, falar mais baixo, fazer sinal da cruz ao passar por igrejas e cemitérios. Passarei em branco pelos aniversários de meus pais, já que sempre me avisava. O mar cobrirá o desenho das quadras no inverno. As pombas sentirão mais fome nas praças. Perderei a seqüência de sua manhã - você colocava os brincos por último. Meus dias serão mais curtos sem seus ouvidos. Não acharei minha esperança nas gavetas das meias. Seus dentes estarão mais colados, mais trincados, menos soltos pela língua. Ficarei com raiva de seu conformismo. Perderei o tempo de sua risada. A dor será uma amizade fiel e estranha. Não perceberei seus quilos a mais, seus quilos a menos, sua vontade de nadar na cama ao se espreguiçar. Vou cumprimentá-la com as sobrancelhas e não terei apetite para dizer coisa alguma. Não olharei para trás, para não prometer a volta. Não olharei para os lados, para não ameaçá-la com a dúvida. Adeus, meu amor, a vida não nos pretende eternos. Haverá a sensação de residir numa cidade extinta, de cuidar dos escombros para levantar a nova casa. Adeus, meu amor. Não faremos mais briga em supermercado, nem festa ao comprar um livro. Não puxaremos assunto com os garçons. Não receberemos elogios de estranhos sobre nossas afinidades. Não tocaremos os pés de madrugada. Não tocaremos os braços nos filmes. Não trocaremos de lado ao acordar. Não dividiremos o jornal em cadernos. Não olharemos as vitrines em busca de presentes. O celular permanecerá desligado. Nunca descobriremos ao certo o que nos impediu, quem desistiu primeiro, quem não teve paciência de compreender. Só os ossos têm paciência, meu amor, não a carne, com ânsias de se completar. Não encontrará vestígios de minha passagem no futuro. Abandonará de repente meu telefone. Na primeira recaída, procurará o número na agenda. Não estava em sua agenda. Não se anota amores na agenda. Na segunda recaída, perguntará o que faço aos conhecidos. As demais recaídas serão como soluços depois de tomar muita água. Adeus, meu amor. Terá filhos com outros homens. Terá insônia com outros homens. Desviará de assunto ao escutar meu nome. Adeus, meu amor.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Meu Tempo De Escola



Lembro com afinco da minha época de escola. Sem muitas responsabilidades ou obrigações; era só estudar. Nunca fui muito influenciável e por esse motivo deixei escapar muitas aventuras por não ir na “corda” dos outros. Lembro que joguei muito futebol, mas não me pergunte, hoje, o que é um impedimento, isso eu não aprendi. Hoje não gosto mais de futebol, mas não esqueci os namoricos na hora no recreio. Nunca tive amigos à altura dos ombros, mas alguns chegaram a assoprar o rosto. Tive algumas paixões que nunca souberam dos meus sentimentos, pois sempre os cultivei dentro de mim e só pra mim. Fui egoísta.

Meu passado não me condena; meus amores, sim. Hoje me arrependo de não ter aproveitado aquele tempo. Aquele era o tempo de fazer algumas pequenas bobagens pra hoje eu relembrar com nostalgia e, quem sabe, com saudade.

Lembro que a escola era perto de casa e toda manhã eu traçava o mesmo caminho, conversava com as árvores só para me distrair e não deixava o sol se perder. Lembro que sentava na frente da professora na sala de aula e fingia entender as contas de matemática que mais pareciam códigos binários. Lembro do cheiro dos lápis de cor que se perdiam das caixinhas e apareciam namorando as borrachas só para não ficarem sozinhos na sala enquanto eu encenava uma desculpa na sala do diretor. Lembro das notas que me tiravam o sono e que me fizeram estender o ano em uma recuperação “físicaequímica”. Lembro dos concursos de redação que ninguém sabe que ganhei - esse segredo eu compartilhei com a professora de português que me condenou à escrita, à poesia, a escrever, pois eu tinha talento -, hoje agradeço a ela!

Lembro das falsas amizades que tive e o quão bobo eu era. Era muito fácil me enganar. Eu não tinha maldade na alma e tendia a ser enrolado para viagem e perder a reputação que eu não me importava. Eu era tachado de “metido” só porque não dava bola pra qualquer menina que se aproximava (era mais timidez do que soberba mesmo, juro!). Eu espiava todo mundo fazendo estripulias e apenas os ouvidos conversavam com os outros. Minha atenção era voltada para outras coisas. Todos os amigos pareciam se prender àquele mundinho e eu sempre achei que o mundo não se limitava àquilo. Queria mais. Queria descobrir o que estava se passando fora das mãos, queria o que ainda era oculto, o que era desconhecido. Enquanto muitos ouviam as mesmas musiquetas e se exibiam com os celulares que ganhavam dos seus pais eu já tentava imaginar como seria o meu futuro, como seria ser “gente grande” e encarar as verdadeiras coisas da vida. A metade do colégio me conhecia e eu nem sabia direito o nome do colégio. Troquei o nome da diretora pelo da servente. Me embolei feio, nunca lembrava os nomes dos bois. Os finais de ano eram a época mais triste porque alguns amigos iam mudar de escola e não os veríamos mais e aqueles momentos sempre viravam lágrimas. Odiava o tal do “amigo culto”, embora fosse gostoso se empanturrar de chocolate e passar a semana visitando o banheiro, mas era a confirmação da separação: as amizades se cancelavam sem chance para renovação. Alguns (poucos) conseguiam esticar o prazo de validade, mas era sempre por pouco tempo.

Cresci. Tudo passou e perdi a inocência e a gostosura de ver o mundo com olhos crentes. Hoje, tudo vira obrigação e nem aqueles amigos falsos eu tenho para perder a cabeça e travar uma batalha de personalidades (quando tive a oportunidade, hesitei). As coisas são pacatas e tranquilas. Meu olhar segue triste revelando tudo o que não ganhei e o que não consegui conquistar. Meus ombros cansados delegam o meu abandono do meu próprio ser. Meus amigos se foram como todas as outras coisas que se vão nessa vida. Virimexe encontro com um fulano e quando ouso perguntar como está ou o que anda fazendo é por pura educação - já não somos mais amigos para isso, não tento resgatar o que foi enterrado. Embora não do jeito que eu tenha idealizado, mas continua sendo minha vida. É isso. Ficou apenas o gosto do papel-cartolina que riscou com pincel as lembranças de minha boca. Algumas coisas sempre mudam, mas outras permanecem sentadas na cama a nos olhar.

Leandro Lima

"CILADAS"

Fabrício Carpinejar

Quando tua namorada ou namorado diz que podes confiar e contar, que nada mudará na relação, é mentira. A sinceridade te inspira a abrir os segredos para te jogar em seguida na parede. O amor é um jogo de convencimento e persuasão que termina invariavelmente em desconfiança. A pergunta que é feita por ela ou por ele de modo inocente não é uma pergunta, quem dera, pouco guarda da modéstia de uma pergunta, que aceitaria a contrapartida sem ofensa. A pergunta é uma suspeita. Não se deseja uma resposta, e sim "a resposta". A resposta deve somente confirmar uma evidência. A resposta é a evidência que estava sendo cavada. Sigilo não existe. Quem guarda segredo apenas fingiu que não falou. A diferença é que alguns fingem bem. A pessoa pede a franqueza e afirma que tudo aceitará, que tudo permitirá, para julgar e atacar quando descobrir tudo. O charme inicial e a caridade do gesto são ciladas. Entra-se em uma investigação, não em uma discussão e diálogo. No fundo, há a intenção de conspirar contra aquele amor, de atestar que ele ou ela não presta, de que foi um erro. É incompreensível verificar que o ceticismo surge nos melhores momentos, como a avisar que não pode ser verdade, que a felicidade errou o endereço. Em cada um pisca o dispositivo antifelicidade, detonado para expulsar a intimidade e possíveis alegrias. Se alguém se torna imprescindível, a estima arruma um jeito e um pretexto para mandá-lo logo embora. Algo que ocorreu no passado mais longínquo vai afetar como se tivesse acontecido há poucos minutos. Se a mulher fala que já trepou com três homens ao mesmo tempo, o cara concluirá que ela é promíscua e terá medo de ser apresentado aos antigos parceiros em alguma festa. Amar é uma paranóia interminável, porque não se tem aquilo que se é e não se pode ser aquilo que se tem. Difícil encontrar no amor o meio-termo, que não resulte em posse, muito menos em indiferença, que não desemboque em obsessão ou em tolerância. Desde quando não se pode ter passado e experiência? Não dá para compreender que casais acreditem que o par tem que ser um objeto lacrado, um carro zero, inviolável. Se ela transa bem é que aprendeu com antigos namorados, é óbvio. E daí? Que bom. Ambos definirão o seu dialeto a partir de idiomas anteriores. Chega de autoritarismo, de transformar a casa em um campo de desmemoriados. Não se fica generoso com amor, fica-se egoísta. Só se pensa a princípio no nome de quem ama para depois só pensar no próprio nome. O começo é um desapego irrestrito, o final é uma proteção absoluta. No início, há a renúncia em favor do bem-estar da nova paixão. No decorrer da convivência, passa-se a criar mecanismos de defesa para se afastar. Os opostos se atraem, mas não conseguem permanecer juntos (os parecidos se repelem e ficam juntos). O que parecia maravilhoso e definitivo, a sedução da diferença, a atração de um continente desconhecido é substituído pela tentativa de moldar o outro aos seus gostos. O respeito desanca em dominação. Não importa que ele saía com os amigos, que jogue futebol, que tenha grandes amigas desde que ele deixe, pouco a pouco, de sair com os amigos, jogar futebol e perder de vista as grandes amigas. Ainda com complicações, é possível ser casado com a memória. De maneira nenhuma com a imaginação. A imaginação é sempre solteira. Se o marido não liga, demora para chegar, é evidente que a imaginação o viu com duas ou três mulheres em meia hora. A imaginação não aceita a confiança, procura o pior para depois gritar que já sabia. "Eu sabia" é a frase mais irritante de todo relacionamento. Mostra arrogância e, o mais grave, sinaliza a certeza do fracasso.