sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Filho de Fotos



Sou filho de fotos. Isso, de fotos. Não conheci o pai. Tenho o pai enquadrando retratos, em álbuns encardidos. Uma imagem fixada de perguntas. Uma amargura inata. Nem uma memória pequenina para sacrificar o desejo. E, pior, a mãe nunca abriu o peito para me inflar de histórias dele. Cresci vendo o mundo somente com olhos maternos. Os olhos do pai somente me conheceram até os dois anos de idade.

Falta uma palavra importante em minha vida: pai. Mais do que a palavra, falta o afeto, a cumplicidade, o carinho entre pai e filho, a brincadeira, a meninice... Falar sobre garotas de igual para igual, correr na areia atrás da bola, saber que teve mãos para te erguer depois queda. Padeço de pai, mas ganhei a proteção de um anjo.

Na escola, faltava o pai para o empurrãozinho, para as reuniões de classe, para assinar o boletim. Faltava o pai para desabafar o choro. O pai nunca soube dos concursos de poesias que conquistei, das suspensões que levei, do futebol com os amigos, das fugas para matar aula, nunca viu uma apresentação de fim de ano. Invejava os amigos que tinham os pais à espera no final da aula. A sirene só servia para me relembrar da falta. Sempre faltou um ídolo à minha vista.

Sobrevivo com muito pouco, com quase nada. Uma data de aniversário... E o sorriso se abre. Faço os cálculos para saber como conseguir a próxima informação.

Coleto poucas informações sobre ele puxando conversa com uma tia, com o tio. Uma conversa pretensiosa à descoberta. Preciso saber o que ele foi, o que almejava, o que detestava, como pediu a mãe em casamento, como cortava o tomate. Até parece um motim, um complô: todos sabem, menos você. Um assalto a toda forma de contentamento. Enquanto todos o conheceram, enquanto todos balbuciam o esquecimento, você tenta entender por que a mãe não celebra o Natal. Ele faleceu na véspera de Natal.

Esse Natal será triste. Um luto tardio.

É uma conspiração, uma organização que se especializou em esconder os detalhes de você. Você morrerá sem saber ao certo quem ele foi. Descobre que existiu um ser maravilhoso que planejou o filho com todo o amor do mundo. Descobre que o mundo era pouco perto de você. Descobre que não se importava com a saia da mãe com tanto que ela estivesse se sentindo bem.

Posso não ter um pai na terra, mas tenho um legado de atitudes que me fazem ser, no mínimo, um sortudo de ter o pai que tive, mesmo que somente por dois anos.

Serei o pai que sempre tive. O pai que não morreu, que continua vivo no pensamento, até o dia do reencontro.
 
Um dia seremos pai e filho de novo.

Leandro Nobre

3 comentários:

nii disse...

eu também cresci sem pai , mas apenas porque ele não me quis conhecer . um dia faço como tu e espero pelo reencontro.
força *

Keli Wolinger disse...

Leandro,

Suas emoções são compartilhadas por imúmeras pessoas.
Você teve seu pai separado de ti pela morte, eu pelas circunstâncias.
Sua presença também era ausente.
Cresci com ele ao lado e nos vendo aos poucos, a adolescência foi mais difícil, porém superada.
Algo que falta dentro do peito e nos deixa inconstantes.

Abraços,
Keli

Gislãne Gonçalves disse...

Belissima homenagem!

:)