domingo, 31 de janeiro de 2010

Memorando

 

Nada mais desgastante do que ter que abrir memorando solicitando a companhia de alguém. É um insulto à prepotência. Tem que datar, colocar assunto, inventar assunto onde não tem para preencher o formulário e ir atrás do visto para confirmação.

Sorte sua se conseguir. Demora. Demora o tempo suficiente para você desistir no final do dia. Mendigar um pedaço de pão seria menos vergonhoso. É um vexame. Uma insuficiência respiratória de frustração. O telefone vai rir de você ao desligar com um "você vê aí e me liga!". É, você lembrou, ligou, disse que tinha tempo livre e ainda sai da conversa como o "ocupado", "você vê aí!"...

Doeria menos perder um dedo. Vira uma festa sem música, na verdade, não há festa, a festa não foi confirmada nem desmarcada. Ficou na vontade da dança. Você dançará sozinho. Não existirá ternura. Não haverá doçura nos olhos. Não haverá brilho no sorriso. Os sentimentos ficam engatados na garganta mais do que as palavras. Não há palavra que ilumine o papel do rosto.

Você passa a conversar com o rádio no engarrafamento. A última coisa que a moça do carro ao lado vai achar é que você é normal. Você ligará a TV para tomar banho. Sentir-se-á sujo sem o barulho da TV para esconder a tristeza. Se pudéssemos lavar essa tristeza com o sabonete para parecer menos suja, menos feia, menos sua...

A falta de compromisso corta. Não sangra, mas corta. Dói até mais. O sol vai parar na gaveta. O dia anoitece e o coração para de funcionar. A noite é tão pesada que chora, que funga. Vira uma coriza observar a lua. Vira uma novela observar a chuva. O coração não vai aguentar, vai cair em prantos.

É uma burocracia desnecessária. Um esquema miraculoso. Um joginho da velha feito para estressar. Sair do sério é mais fácil que imprimir a ata.

Ajeitar a gravata só aumenta a sensação de desconforto. Uma reunião que não começa é pior que ser demitido. Com a demissão, o pensamento cessa. Sem a reunião, que não começa, o pensamento incha.

Você tenta mais uma vez a confirmação do pacto e ganha um “vou te ligar” carimbado na testa. Você ainda acredita que pode encontrar um espaço no calendário para amenizar o sentimento, mas errou o número, errou a letra, errou a palavra, errou o dia. Melhor pegar a caneta e cancelar a solicitação. Não haverá a companhia. Melhor ligar para o departamento do bom-senso e cancelar o pedido.

Essa reunião não acontecerá hoje. Tentarei amanhã, novamente.

Leandro Lima

3 comentários:

Janaina F. disse...

Me impressiona a leveza e a transparência real das suas palavras. Consegue dizer tudo, mesmo nas entrelinhas. Ótimo memorando, um dia farei o meu também...bjos!

Janaina F. disse...

Obrigada pelo comentário no meu blog e também por segui-lo. É um prazer te ter como seguidor, e obrigada pelos elogios...abraços e ótima semana!

Anônimo disse...

acho q preciso de memorandos tbm...
sabe q sou tua fã né?
lindo texto, pra variar!!!