quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

NÃO SER AMADO

Fabrício Carpinejar

Passa-se da idade de casar, como se houvesse idade para isso. Passa-se da idade de ter filhos. Suporta-se o desespero de guardar um cheque em branco assinado, com o temor de nunca descontá-lo. Quem colocou limite em nosso tempo? Regulamos nossa vida em comparação com as outras, desde a infância até a maturidade, desde o jardim até o asilo. Semelhante a dirigir com o velocímetro quebrado e comparar o que se anda pelos demais carros. O ritmo não pode ser imposto por fora. Convence-se de que se não é amado.

Não ser amado é pior do que ser invisível. É narrar o que faltou acontecer. Fica-se grávida da vida que não se teve. O peso de um corpo que sequer existiu para continuá-lo em pensamento.

Não ser amado é pior do que ser invisível. Pois nascer não é o bastante para ninguém. Não ser amado é o mesmo que carecer de pálpebras. É o mesmo que sofrer uma insônia parcial, somente nos ouvidos. É chamar atenção para as virtudes quando os defeitos não param de falar.

Não ser amado é pior do que ser invisível. As portas do guarda-roupa são as venezianas que espreguiçam a casa e nada é suficientemente justo para dar folga à alegria.

Não se amado é não encontrar cintura para as palavras. É um castigo mais severo do que o ódio. É mais grave do que esquecer.

Não ser amado é perder a possibilidade de contestar o próprio destino. É morrer de uma saúde incurável. É participar do mundo como se ele estivesse sempre por ser criado. É colar o fogo porque não há carta para ser queimada.

Não ser amado é se diminuir para dormir, se aquietar no almoço familiar, não mudar a assinatura de adolescente. É apressar os fatos por não fazer parte deles. É sentar em uma escada para não cair em falso. É não levar uma foto 3x4 na carteira. É correr o domingo para chegar na segunda. Não ser amado é um crime que não se teve culpa, um castigo que errou de irmão. É voltar onde não se esteve.

Não ser amado é concluir que o final poderia ser diferente se houvesse um começo. É escolher tudo da vida para contar com receio de faltar história. É a velhice avançar sem trazer vergonha, é a velhice avançar com a indiferença ao colo. É voar como um pássaro e ser chamado de morcego. É gastar o parapeito da janela mais do que a porta.

Não ser amado é acreditar que o amor significa apenas receber.

3 comentários:

lia.wilde@hotmail.com disse...

Adorei o texto!!! Um pena que as vezes não somos amado por quem queremos... Outra vez, vc acertou em cheio Leandro! Vi uma frase do Caio Fernando Abreu e lembrei de ti:
"Escrever tem desses mistérios. De repente, sem esperar, um dia você consegue despertar alguma coisa que está viva dentro de muita gente."
Abraços!

Lia

Priscila Rôde disse...

Não ser amado..
não conheço ninguém que não seja. Conheço muitos que querem ser amados por quem ainda não aprendeu a amar.
Ainda colocamos o nosso "viver pleno" nas mãos de quem ainda não sabe sequer "sobreviver bem".

Blog da Nana disse...

Lindo demais, perfeito adorei teu Blog!!1beijao