quinta-feira, 7 de abril de 2011

Alugo

Série: Abstrato

Poucas coisas me entristecem mais do que ver um lugar onde funcionava algo e, hoje, está para alugar. Remete-me ao fracasso, ao que não se cumpriu, ao que não deu mais certo, ao que se perdeu de sentido, ao que necessita de outro sentido.

Escrever com o relógio no pulso incomoda, não é frescura, não é por prender o sangue, é por prender as palavras, por implicar com a confiança. Trava a agilidade, cria um vinco que carece a mobilidade das mãos.

Vislumbro as folhas ao chão; as folhas são a assinatura do término do contrato. As folhas mostram a ausência, a falta de alguém para amontoá-las e chamar o vento para desmanchar. Só o vento visitará o lugar, passará despercebido por muitos. Fica a vontade de descobrir o que aconteceu de fato, o que acontecerá por acaso.

O mesmo acontece ao reencontrar um amigo depois de longa data. Vai ficar no ar a obrigação de já ter casado, de ter comprado o carro do ano, de ter tido um filho e ser presidente de uma empresa. Uma convenção criada para que, quanto mais tempo, mais tralhas temos que ter na vida. A conversa de cinco minutos tende à eternidade. Esgoto o tempo com mais perguntas do que com respostas. A resposta não virá de imediato, levará tempo compreender a pergunta e formular uma resposta. Não pergunto como anda aquele outro amigo, deixo que o destino nos encontre para uma outra conversa de cinco minutos. E também não deixo perguntar como anda outro amigo, vou entender que as minhas histórias já entediaram.

Não interrogo o futuro. Vasculho o passado, busco o que ficou na prateleira, o que fez mais sentido, o que foi mais relevante. O passado é mais concreto, tem história, pode ser lido e relido. O futuro não traz confiança, não traz certeza no bolso. O futuro é a vaidade do desejo.

Busco as histórias mais sombrias, as mais escondidas, as que mais machucaram, as mais divertidas. Quero saber da metade da história para poder imaginar a outra. Pouco importa em que caminho chegou, quero saber o que fez no meio do caminho, como percorreu, o que deixou de lado, o que fez chorar, o que fez sorrir, porque abandonou um sonho.

Estar para alugar é a incerteza do que será, a indefinição do espaço.

Alugo-me.

Leandro Lima

8 comentários:

Ju Fuzetto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ju Fuzetto disse...

Alugar-se é estar disposto a viver cada sentimento da melhor e mais bonita forma. É arriscar-se na busca tortuosa por inquilinos frágeis e indispostos, onde cada coração é um barco perdido em alto mar.
adorei. beijo

luna disse...

como sempre você com seus textos inspiradores, sou tua fã...

^^

taio disse...

interesant

Renata de Aragão Lopes disse...

"escrever
com o relógio no pulso
incomoda"

eu me livro
até mesmo dos anéis

beijo,
Doce de Lira

Keli Wolinger disse...

Estar disposto a encarar todas as surpresas que o garoto destino apronta, é entregar-se por completo nas mãos do tempo.

Bjos

Mary disse...

Não interrogo o futuro. Vasculho o passado, busco o que ficou na prateleira.
eu muitas vezes pareço ter mal de alzheimer pq fico buscando as coisas q aconteceram no meu passado seja elas triste felizes isso faz com q eu me siga em frente e veja um futuro totalmente diferente e reservado pra mim é gostoso mágico ter esse poder de sempre ir e voltar do passado ao presente e não saber qual será o futuro...

Edilson Cravo disse...

Adorei o texto. Quanta poesia, sensibilidade e talento. Parabéns. Profundamente feliz de conhecer um espaço que respira( e transpira) tanta coisa boa. Abraços cordiais.
Visite o Lua se puder.