terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

(Sem) Culpa

Série: Abstrato

Já não te culpo mais. Já não me culpo mais. Já não há mais culpa para cultivar. Nenhuma culpa é totalmente amparável. Depois de um tempo, algumas culpas se tornam até esclarecedoras. Novas culpas virão e logo abandonaremos o papel de vítima. Até mesmo a culpa se cansa de existir. Mas depois de você, não encontrei mais conforto. Saí sacrificando todos os possíveis romances por um simples motivo: você não estava neles. De quem foi a culpa?

Hoje aceito qualquer oferta, qualquer proposta, qualquer negócio. Se só se ama uma vez nessa vida, qualquer amor de verão vale? Posso tentar todas as outras estações. Não me canso de chover os olhos, de deixar as folhas caírem pelos ombros, de congelar o silêncio na boca, de queimar o papel com as letras. 

Qualquer motivo, por mais simplório que seja, serve. Amar por uma pechincha, amar por um tostão, mesmo que parcelado. Sou um cão com fome de osso. Um amor de começo de semana, uma ressaca mal curada, um dia chuvoso. Porque o amor é véspera, é a véspera do corpo. É feriar agora para comemorar depois. Se é amando que temos motivos para perder, que percamos tudo. Que se viva sem sossego.

A culpa alimenta o medo, mobiliza a desconfiança para fazer vigília em frente de casa. A casa não será mais a mesma. Viveremos desconfiando das janelas e espiando as portas. Cada canto da casa será um sussurro, um sopro influente às poltronas. Um deserto se abrirá à sua frente. Como prosseguir? Como repercutir os passos?

Vou confirmando o fracasso no caminho para que, no final, pareça menor. Uma mentira lavada, um disparate, um erro, um absurdo que convence por pouco tempo, na verdade, não convence, ilude. Uma troca de papéis para parecer outro. Um teatrinho em preto e branco. Um cinema mudo.

Mas o amor é mesmo uma ilusão, um erro. Não existe acerto no amor. O acerto só vem quando passamos para a terceira pessoa, quando olhamos de fora. De dentro, ficamos surdos, inconcebíveis. De fora, somos juízes. Julgamos tudo e todos com a mais plena convicção do exercício, como se fôssemos diplomados na área, como se fosse o caminho da sala para cozinha, assim, retilíneo. De dentro, ficamos perdidos, em um tiroteio. Engatinhamos ao coração, não sabemos as palavras, não conhecemos os mistérios, somos analfabetos, desempregados, sem ofício a cumprir. Viveremos de bolso vazio, pedindo esmola para bancar a sede. Para bancar a lição.

Abandone as culpas que cultiva. Esse é o único abandono que deve ser feito e não precisa de perdão.

O amor só será compreendido em primeira pessoa. É o único caso em que aprendemos a conjugar o verbo.

Leandro Lima

5 comentários:

Fernanda Zamboni disse...

Realmente fiquei sem palavras, que texto verdadeiro, não só li umas 5 vezes seguidas como indiquei para várias pessoas lerei. Perfeito, parabéns.

Unknown disse...

Lê, vc me impressiona a cada texto seu que leio. Me admiro da sua criatividade e o quão soa as palavras com humildade e sentimento... ganheste uma fã! hehehehe
Simplesmente parabéns²!!

beijo

Anônimo disse...

Meu Liiindooo!!
Está mais que perfeitoo.. alias mais um dos seus perfeitos textos!!!
Saudadeeeess
Beeeijãoooo

A Ticiane disse...

Nossa... Esse texto, pra mim, foi daqueles que a gente lê e pensa "parece que ele adivinhou como me sinto agora".

Parabéns por usar tão bem as palavras.

Beijinhos

Keli Wolinger disse...

Respirando fundo e segurando o ar para não morrer de amor, ou seria culpa?

Grande abraço