quarta-feira, 16 de junho de 2010

Dois Pássaros



Algo ainda me leva a acreditar no amor: um casal de passarinhos. Um casal despretensioso, sem mangas nas calhas, vaga nas janelas dos meus olhos. Eles sempre vêm me visitar. Tomam banho com a água empoçada do condicionador de ar. Eles não se desgrudam. Demoram a aparecer, mas quando aparecem, ensopam as folhas, encharcam o vento, tiram as rugas do tempo.
Só precisam das copas das árvores para se prender. Voam em uma espécie de balé aéreo, desfilam suas penas coloridas por pura amizade, cumprem o amor em exercício pleno. São a competência em forma de luz. Usam o céu como um campo florido, pairam sobre sua juventude azul.
É uma das mais belas formas de amor. Caçam o caule das árvores para fazer morada, desprendem-se de toda vaidade e egoísmo na lealdade, brincam de pega-pega, brincam de infância com mais ternura. Não há nada que os impeça de sorrir. Não existe choro, velas ou preces. Vivem de sorrisos bicudos, cortam o mar sem precisar dar as mãos.
Vivem aprisionados de liberdade. Podem ir a qualquer lugar usando as nuvens como ruas. O amor é assim: um passeio a caminho do desconhecido.
Buscam as flores pelo instinto, pela sede do outro. Ganham vozes pelas raízes.
Fico vislumbrado, os olhos gritam com tanta pureza. Derreto o peito de tanta inveja, uma inveja boa. Bate uma saudade insuportável do que vivi.
Meu amor são dois pássaros. Eles não são meus, mas sempre voltam para me visitar. Correm soltos por esse mundo, conhecem lugares onde nunca pisarei, inventam poesia da relva, reviram a terra com as asas.
Eles não se culpam, não se cobram pelo que fizeram ou pelo que deixaram de fazer. Observam-se neutros, abraçam o crepúsculo esticando o dia. Aposentaram a bengala dos galhos. Dormem furiosos em silêncio, silenciam-se na fúria. Sou admirador assíduo desse casal. O vitral é arranhado por outro sol e lá estão os dois, marulhando os meus ouvindos.
Vejo amor onde não tem, salvo o voo pela fé. Eles estão aqui, voltaram para desenhar o amor no ar. Assisto encantado a festa dos dois amantes. Um espetáculo de cumplicidade, uma magia bem colorida, uma rebeldia tendenciosa.
Rápido, e eles se vão. Escondem-se de mim, mas não escondem o Amor. Deixam comigo uma folha cheia de letras. Meu amor se corrompe, quebra-se por insuficiência. Esses pássaros não sabem o poder que têm. Reconheço somente a força. Rezo para que eles não percam o canto, para que não esqueçam a identidade do amor. Eles conhecem o amor. Sabem o amor. Mas não me preocupo: eles são o Amor.
Já pude voar um dia, também.

Leandro Lima

5 comentários:

lídia martins disse...

Logo eu que era vôo.
Virei pouso.
Mas eu ainda canto.


Texto explendoroso.

Opinião disse...

Leandro, vc escreve mt bem.Adorei como conseguiu ver um amor puro em algo tão simples.

bjs

Café e Anfetaminas disse...

Leandro, seu blog é um dos mais lindos que já li. Dá vontade de ir até a esquina, até o céu ou o inferno... que seja... para encontrar um amor.

Carol disse...

lindo texto. aliás, todos os seus textos são assim, envolventes.

Karine Melo disse...

Que lindo, adorei seu blog..

:)